num banco de praça

O bom de ser um péssimo escritor ou quase isso, com todo respeito aos escritores de verdade que são ruins, é que não é preciso criar nenhum tipo de expectativa. É isso, por pior que seja, o lado bom dessa merda toda. É uma forma otimista de encarar a coisa. Pois, de algum modo, há por aí todo tipo de fodido. Ruim em alguma coisa que gosta ou gostaria de fazer.

Aí eu vejo os gatos, todos eles ali, sempre bem alocados num canto da casa e atentos a qualquer raso movimento ou barulho externo, para tão logo, ao perceberem que os ruídos não os atingem, magistralmente, eles se olham e cagam... E como que se fosse combinado entre eles previamente, voltam para suas vidas e se lambem vagarosamente em conjunto. Uma verdadeira orquestra felina, bem na minha frente. São bons nisso. Muito bons. Não em se lamberem, mas em cagar para determinadas coisas. 

Lá fora no pátio estão os cachorros. Latindo para tudo e todos. Qualquer peido. Inquietos. Sempre muito ansiosos. Sedentos pela liberdade da rua ou de um campo aberto sem a necessidade de estarem presos numa corrente ou focinheira. Pelo garrão do carteiro. Do skatista. Diferente dos gatos, eles não desligam. Não conseguem cagar pra situação. Cagam apenas no gramado. E muito. Muito mesmo. E se aquietam somente quando o tédio da vida em canil os vence. É uma vida triste. Por mais bem alimentados que estejam.

Quando pego um livro para ler, por mais que goste da leitura eu sou muito ruim nisso. É uma bela bosta. Eu começo e não termino. Repentinamente perco o interesse. Como um gato, eu cago. Volto mais adiante. Paro. Volto outra vez. Aí termino uns dois meses depois. Nisso eu sou ótimo. Mas quando acabo o livro sinto um vazio infinito. Um tédio. Me sinto um cachorro e não consigo desligar. Porque grande maioria desses caras tinham vidas infernais, mas intensamente gozadas e divertidas. Sofridas... Morando de favor, com os credores dia após dia num tipo de perseguição policial baforando em suas nucas. Talvez eu ainda escreva um livro desse naipe e me equipare a eles algum dia. O enredo eu já tenho. Mas a troco? 

A leitura é algo que nos liberta e ao mesmo tempo nos leva à loucura. Pois é lendo que se descobre o mundo e as coisas. E sabendo parte disso, depois do Kama Sutra, até foder se torna chato porque ninguém está disposto a enterrar o papai e a mamãe se é que me entendem. É apego demais à meu ver aos bons costumes das santas igrejas. De praxe, não terminei esse livro ainda. Pior que eu emprestei e não me lembro para quem. 

Daí surgem os "ladrões" de livros. Porque livros são caros. Um horror! Mas os escritores continuam pobres. A editora sim, essa lava a égua... Bobo é só o da corte. E o escritor que caiu no próprio conto do vigário quando acreditou que faria dinheiro com isso. E aqui não estamos falando de best-sellers. E esses "ladrões" quando tomam emprestados um livro, isso significa, que pelo menos um outro livro deixará de ser vendido. Então não empreste um livro. Doe num sebo que seja. 

Fomentar a cultura do sebo é preciso! Pelo menos alguém vai ganhar algum dinheiro com isso. Ou venda para esses "ladrões" por mais amigo que seja. Faça dinheiro. Porque de um modo ou outro se o livro voltar vai ser todo riscado, com orelhas de burro e com anotações com os sinônimos das palavras "esquisitas"... Aí um dia escrevi um livreto. Desses tipo de bolso. Pra se perder em bancos de praças ou caixas de supermercados. Tive sucesso na venda. Cem por cento. Não tive lucro. Para que lucrar? Quanto muito já iam ler... Malemal paguei os custos das vinte cópias, e tive a ajuda de alguns amigos que fizeram a arte gráfica. Não guardei um único exemplar. Ainda bem. Não adianta me pedir.

É boa vida aqui no bairro. Um loteamento novo. Tirando é claro os gritos que vem da casa ao lado. É impossível não ouvi-los, a menos que eu fosse surdo. E torço apenas para que isso não se torne notícia policial, coisa do tipo, porque hoje em dia o que matam de crianças por aí não tá escrito, ou melhor, está escrito e televisionado. Só não é julgado. Ninguém faz nada mesmo. Nem eu porque não sou um louco. Não é da minha conta. E esses choros e gritos, involuntariamente, já fazem parte da nossa rotina. 

É por isso que os gatos não saem da guarda do sofá ou da bancada da janela. É por tal motivo que os cachorros ladram o dia inteiro e a noite toda. É um empate técnico, digamos. No barulho. Mas porque raios, então, por no mundo um ser vivo para “viver” deste jeito? Debaixo do mau tempo, vinte e quatro horas por dia sem um pingo de sossego ou tranquilidade que não seja forçada por uma forte dose de calmante? Isso me emputece. Todo mundo está fodido de algum jeito e pouco importa a idade.

Na clínica, só hoje de tarde eu atendi dezoito. Isso me atordoou a mente. É difícil não se envolver. São crianças. Além do mais enchi a pança de meio-dia, fui de arrasto pro serviço, nem pra um cochilo eu tive tempo. E enquanto escrevo isso, mais um fardo de Coca-Cola entregam na casa ao lado. Misteriosamente os gritos cessam. O choro para. E a cachorrada de todas as casas, como uma torcida organizada, rompe o silêncio a base de uivos que ecoam na escuridão da rua e a moto da tele dispara sem rumo conhecido. 

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